Licuri: A ancestralidade do sertão ganha o mundo em forma de biscoito
“Eu sou eu, e licuri é um coco pequeno.” Nos ditos populares do Nordeste, o licuri, ou ouricuri, como é conhecido o coquinho, é o fruto da palmeira nativa do bioma Caatinga, comum em áreas semiáridas do Nordeste brasileiro. A frase pode ter vários significados. Algumas interpretações e análises da versátil e pequena amêndoa podem ser compreendidas como uma metáfora para algo que tem valor e resistência.
Sujeita a inúmeras interpretações, a frase se ajusta a um grupo de mulheres, incluindo um homem, que descobriram no coquinho uma fonte saudável de sobrevivência. Essas pessoas, que convivem com o produto alimentício há uma vida inteira no coração nordestino, hoje lançam um olhar diferente para o fruto, que se tornou símbolo de esperança em meio às adversidades.
| Foto: Biscoito de Licuri / Divulgação
“A gente começou a participar de feiras de Economia Solidária e lá, nessas feiras, a gente via a demanda do povo querendo um produto light, diet. Eu chegava para as meninas e falava que a gente precisava ter um produto diferenciado, que todo mundo pudesse ingerir, principalmente aquelas pessoas que têm problemas de saúde. Foi daí que surgiu o biscoito de licuri, zero glúten, zero lactose”, conta Edinolia Cerqueira Almeida, integrante do coletivo de mulheres da Associação Comunitária dos Barretos.
| Foto: Biscoito de Licuri/ Divulgação
O biscoito de licuri é feito pela Casa de Biscoito, no povoado de Barretos reunindo essas pessoas nativas, que, cheias de esperança, veem no produto um grande potencial. A pequena amêndoa se transforma em biscoitos doces e salgados. Mas até que tivessem consciência sobre o potencial do produto, passou-se um bom tempo. Tudo começou em 2011, com a confecção de biscoitos de várias frutas regionais, incluindo o licuri, mas com uma receita diferente. Porém, há 3 anos, o biscoito de licuri vem passando por um processo de valorização da marca, com receita diferenciada, que atendesse a um mercado em contínuo processo de transformação.
| Foto: Edinolia Almeida/ Divulgação
“Vai ser um produto diferenciado no mercado. A gente tá muito ansiosa com o lançamento desses produtos, o biscoito de licuri, o doce e o salgado. E a gente vai ganhar o mundo com esse biscoito! Olha o quanto esse coquinho tem benefícios! Não é só para fazer biscoito, faz biscoito, faz bolo, faz cocada. Ele tem vários nutrientes, é um produto bem conhecido e rico, viu? Muito rico.” conta Edinolia, bem entusiasmada!
Não é à toa que as meninas debulhadoras de licuri estão tão entusiasmadas com o processo de valorização dos biscoitos, que trabalha com ancestralidade, como diz a nutricionista Veranubia Mascarenhas. A profissional, que trabalha com sustentabilidade e empreendedorismo, foi convidada pelo Centro Público de Economia Solidária (Cesol) de Pintadas, que tem caráter comunitário, para ajudar o grupo de mulheres, prestando consultoria na produção dos biscoitos de licuri, desenvolvidos com ingredientes saudáveis.
“Pensando em sustentabilidade, o licuri nos conecta com a vida porque ele é um produto ancestral. Então, ele é cheio de compostos bioativos; melhora a nossa saúde como um todo pela sua quantidade de compostos bioativos. Ele tem fósforo, tem magnésio, tem ferro, tem manganês. Na parte da polpa tem beta caroteno em uma quantidade bem interessante. Ele tem proteína. Tem 11% de proteína em 100 gramas. Não é uma grande fonte de proteína, mas é uma fonte boa de proteína. Ele tem cálcio”, explica.
| Foto: Edinollia Almeida/ Divulgação
Veranubia enaltece o licuri como um dos alimentos com nutrientes mais ricos e reforça sua importância, lembrando que, além de tecnicamente perfeito, o coquinho faz parte das melhores lembranças afetivas para quem foi criado em meio às palmeiras no bioma Caatinga.
“A nossa natureza quer alimentos conectados com a terra, porque eles terão muito mais nutrientes, isso acaba promovendo e resgatando o nosso fazer, resgatando o nosso saber, resgatando o nosso sabor, coisas que estão lá nas nossas memórias afetivas. A minha infância foi muito conectada com o licuri. Minha mãe fazia uma maxixada com leite de licuri que era incrível“.
“A gente tem visto por aí pelo Brasil, em alguns lugares, a valorização do licuri. Então, é um resgate. Eu acho que a gente está, assim, olhando para a sustentabilidade, olhando para a segurança alimentar e nutricional, olhando para a soberania”, enfatiza Verarubia.
Aricurí, licurizeiro, nicurí, ouricurí e urucurí são outras denominações da espécie, que leva o nome científico de Syagrus coronata. | Foto: Biscoito de Licuri / Divulgação
Solange Paixão, coordenadora geral do Cesol da Bacia do Jacuípe, reforça a importância cultural do licuri. “Cada produto nosso tem uma história, um arranjo cultural. No caso do licuri, estamos preservando a cultura de mulheres que se reúnem para catar o coquinho,” pontua, lembrando que o licuri é considerado “ouro verde do sertão”.
A cultura está mesmo nas entranhas dessas mulheres que catam coquinho com a leveza necessária para a produção de um biscoito cada vez mais querido e aceito no mercado. Segundo Edinolia, a etapa mais deliciosa é o debulhar, quando o grupo se senta para cantar e retirar a casca do coquinho de forma artesanal.
| Foto: Biscoito de Licuri/ Divulgação
“É muito divertido, viu? Quando a gente vai catar o licuri, nós vamos para os pés com a foice e o balde, porque eles caem. Eles dão o cacho e caem. Ele é muito trabalhoso, a gente vai para os pastos, para as roças, catar os licuri. E isso vem da natureza. Com tanto sacrifício, com tantos desafios, mas a gente está ali firme e forte, não desanima. A gente gosta muito de fazer isso. E depois você quebra ele, depois você tira a casca, todo mundo soltando gargalhada, fazendo graça. É muito bom, é muito bom, viu?”
Vamos então para a parte gostosa com a receita de biscoito de licuri de Edinólia e suas amigas debulhadoras.
| Foto: Biscoito de Licuri / Divulgação