O lado violento da zoada: poluição sonora motiva agressões e até mortes
Em duas décadas de bairro, os Souza nunca imaginaram ter que agilizar a mudança de endereço pela razão de agora: a violência usada por dois vizinhos contra quem reclama do volume, sempre alto, do som deles. A caçula da família, Eline*, conheceu essa fúria no fim de dezembro passado ao reclamar do barulho e ainda se recupera dos ferimentos marcados nos olhos, boca e orelhas como um lembrete de que não os questionasse.
A poluição sonora nem sempre se esgota em si. Há, no contexto de parte delas, um arredor de medo e violência que acompanha a escalada de insegurança na Bahia, estado brasileiro com mais mortes violentas em 2022, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O espancamento sofrido por Eline, por exemplo, aconteceu um mês depois do assassinato relacionado pela Polícia Civil à briga de dois vizinhos devido à altura da música, em Ilhéus.
Era por temer o que aconteceria que a estudante ficava calada quando os vizinhos, sem dia nem hora, ligavam o som do porta-malas do carro nas alturas, em Laje, no Vale do Jequiriçá. Há sete anos, moradores como ela convivem com a perturbação que vibra nas paredes. Na noite do último Natal, Eline* resolveu pedir que abaixassem o som. Foi a primeira vez – e será a última.
“Vieram para cima de mim e já começaram a tentar me esganar, quando consegui sair, voltei para casa. Um deles invadiu e desferiu socos no meu rosto”, conta.
Para remediar os ferimentos, Eline passou a madrugada no único hospital da cidade. Depois do ataque sofrido e denunciado na delegacia, a estudante voltou para casa, mas viajou em seguida para a casa de uma tia em Salvador, a três horas. “No dia seguinte, eles passavam em frente à janela, me xingando”, justifica.
Não só dos ferimentos ela se recupera, como do transtorno de estresse pós-traumático desencadeado pelas agressões. Basta falar no assunto e seu coração acelera.
‘A poluição sonora é um vetor de violência. Já fui ameaçada de morte, agredida’
Antes de partirem para operações, fiscais de poluição sonora da Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur) vestem colete a prova de balas. A violência contra eles é o principal temor. Em 25 anos dedicados a conter o barulho, Márcia Cardim já foi ameaçada de morte e agredida fisicamente por gente que não aceitou ter o barulho questionado. Um dos fiscais de sua equipe, hoje transferido de setor, perdeu o dente em um desses ataques.
De dez cidades procuradas pela reportagem, seis demonstraram aumento de três a nove vezes nas denúncias – foi o caso de Salvador, onde as queixas passaram de 9,7 em 2016 para 93,4 mil em 2022.
Janeiro e fevereiro são mais denunciados: a quantidade de festas é maior do que a média, sem falar nos eventos entre amigos e familiares. Este, inclusive, será o primeiro verão, desde o início da epidemia, em 2020, sem restrições sanitárias em eventos.
A poluição sonora pode ser fiscalizada e punida porque, desde 1998, é considerada crime ambiental. Em Salvador, o infrator paga, a depender dos decibéis (dB) excedentes, de R$1,2 a R$201,7 mil. São permitidos de 70 dB entre 7h e 22h e 60 dB das 22h às 7h em áreas públicas (saiba abaixo como identificar). Em residências, o máximo é de 55 dB.