Brasil chega a eleição histórica entre vitória de Lula hoje ou 2º turno
A nona eleição presidencial consecutiva sob regime democrático, que acontece hoje, é histórica sob vários aspectos. Pela primeira vez, estão se enfrentando nas urnas um ex-presidente da República e um presidente em exercício. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) são os dois maiores líderes populares das últimas décadas no Brasil — provocando, ao mesmo tempo, idolatria e rejeição de parcelas de eleitores. A polarização impediu o crescimento de alternativas como Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT), e provocou o maior índice de cristalização de votos desde 1989 — os principais candidatos sempre tiveram somados mais de 70% dos votos espontâneos nas pesquisas de Ipec e Datafolha.
Mesmo com baixa oscilação nos números ao longo da campanha, o país chega às urnas indefinido sobre se haverá ou não segundo turno. Marcando 51% de votos válidos no Ipec e 50% no Datafolha (veja as pesquisas em detalhes na página 8), Lula pode fechar a disputa garantindo um terceiro mandato após ter ficado preso 580 dias entre 2018 e 2020; ou disputar contra Bolsonaro um segundo turno, que tem tudo para agudizar o nível de agressividade no enfrentamento entre os dois.
Lula e o PT colheram uma série de reveses na última década com a consolidação do antipetismo como uma das principais correntes políticas do Brasil. A volta por cima pode ocorrer numa eleição em que o ex-presidente ignorou a apresentação de propostas e focou em defender seus governos passados e desfilar uma gama ampla de alianças. Nos últimos dias, esse movimento se intensificou, com declarações de apoio não apenas de adversários históricos como quadros do PSDB e da direita tradicional, mas também em nomes do mundo jurídico e da sociedade civil.
Em quatro anos, o cenário mudou para Bolsonaro e o estilingue virou vidraça. Em 2018, uma estratégia virtual atinada com os novos tempos permitiu ao deputado do nicho militar capturar o clima de antipolítica criado pela combinação entre a crise econômica do governo Dilma e o terremoto das investigações da Lava-Jato. Governar, contudo, revelou-se outro esporte para Bolsonaro, que geriu o Planalto sob uma dicotomia.
De um lado, reconheceu a necessidade de se aliar ao Centrão, e escolheu a via do orçamento secreto, instrumento fisiológico da política tradicional para garantir maioria no Congresso. De outro, jamais considerou abdicar da retórica e do personagem antissistema. Os dois perfis caminharam juntos ao longo da campanha, mas enfrentaram um muro de rejeição. A má gestão da pandemia, as denúncias de corrupção, os maus índices na economia são componentes decisivos da vontade popular, hoje majoritária segundo as pesquisas, de negar-lhe um segundo mandato.
Quanto mais a rejeição a seu nome crescia, mais Bolsonaro redirecionava sua verve “contra tudo e contra todos”. O alvo preferencial virou o Judiciário. Os ataques do presidente às instituições levaram a outro ineditismo dessa eleição: o protagonismo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Como nunca antes, o brasileiro se habituou ao noticiário que destrinchou cada tecnicalidade dos sistemas computacionais da totalização e das urnas eletrônicas. A ação das instituições manteve a campanha bolsonarista de descrédito na seara das fake news e da retórica vazia.
Continuidade nos estados
A distribuição em massa de mensagem nas redes com ataques, verdadeiros ou falsos, aos adversários, foi uma marca do sucesso bolsonarista há quatro anos. Agora, a disputa de 2022 mostrou que a esquerda aprendeu a duelar na internet, muitas vezes usando as mesmas armas baixas.
Na corrida mais estável de todas, uma ultrapassagem relevante pode se dar na reta final, segundo as pesquisas. Depois de sobreviver a longo processo para se firmar candidata, Simone Tebet vê chances de amealhar o terceiro lugar. Sua elogiada participação nos debates e a projeção que obteve garantem que a senadora personificará o clichê de “sair da eleição maior do que entrou”.
É o oposto do que provavelmente será dito de Ciro Gomes hoje à noite. O pedetista exagerou na beligerância nos ataques aos adversários e acabou afastando até o próprio eleitor, como indica a comparação entre as atuais intenções de voto e o que conseguiu em 2018. As brigas de Ciro se estenderam até aos próprios irmãos, por causa do racha local no Ceará, onde seu candidato corre o risco de ficar fora mesmo do segundo turno.
Se na disputa presidencial o candidato à reeleição está em dificuldades, no plano estadual os ventos são de continuidade, quatro anos após uma eleição marcada por surpresas em 2018. Dos 19 governadores que atualmente tentam se manter no cargo, 17 lideram em intenções de voto.
Uma das exceções à regra é Rodrigo Garcia (PSDB), em São Paulo. Ele está em terceiro lugar, atrás do petista Fernando Haddad e do bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), que podem fazer um segundo turno que emule a polarização nacional. O mesmo pode acontecer no Rio, onde há chances de Cláudio Castro (PL) e Marcelo Freixo (PSB) se enfrentarem com apoios de Bolsonaro e Lula. Assim, ter ou não segundo turno na corrida ao Planalto pode ser fator decisivo também nas disputas locais.